a gente nasce quando quer. quando decide que
nasceu na vida. o minúsculo mundo, o baú dos sonhos. trancafiavam com êxito os
pequeninos sofrimentos. matéria prima de um possível diálogo com a cabeça
apoiada no vidro. a grande fascinação do renascer é não enxergar o mundo com
olhos de criança. enquanto essas nasciam. boa sorte. o relógio não se esquece
de badalar meia-noite. olhar o cronômetro arrepiava a terceira vértebra como o
puxão de cabelo pelas unhas esmaltadas. colhíamos o trigo apenas pelo deleite
de olhar a vista. ao final do dia, o sorriso trabalhador quase que implorando
por mais uma cerveja. o rosto infestado de sardas e as mechas louras sufocadas
em tranças. cansados dos somente olhares negociados com as moças de riso forte
e pálpebras frouxas, entendemos finalmente: lei seca americana alguma seria
pior que a greve do sexo ditada por Aristófanes. a conclusão foi de que o
ser(vidor) humano destruía a si mesmo pensando que poderia tornar a educação
uma fórmula, ao passo que acabávamos conosco na companhia das prostitutas da
beira de uma estrada qualquer. finalmente. finalmente nossa beleza não mais era
marcada por nenhum vão lateral nas coxas, mas pelo excesso de gordura e o cabelo
emaranhado. o querer em sua forma mais bruta. o de um sangue elitista que incessantemente
salivava pelo gosto da caça. o som gordo que era a reclamação da doença social.
a imitação do barulho de tosse. canalhas. mas não éramos todos? no dado
instante em que dissemos que as ideologias eram ir fundo demais, tivemos de nos
separar. tornamo-nos comuns. resto. nossa lucidez nunca foi saudável. havia uma
espécie de úlcera causada pelo julgamento, infecções ocasionadas pelo
extremismo necessário. insensível. sem sinto. sem cinto. o que faz você feliz?
Em um ponto da vida, somente, fui menina: Não soube que a amargura tornar-se-ia a doce fruta que do pé colhia, minha fuga e fantasia: o néctar da poesia.
domingo, 24 de agosto de 2014
quinta-feira, 21 de agosto de 2014
o som do pneu desgastando o
asfalto ecoava como um grito. o sim do pneu. grito contido. grito quase
familiar. por pouco poderia ter saído da boca ao ter visto as duas crianças se
pertencendo. crianças éramos nós. há quanto tempo? dois ou três meses? a
maturidade precoce era culpa da falta de primavera na cidade seca e amarga. aceitamos
a proposta doentia de desabrochar a flor que guardei com tanto zelo. motivo de chacota
e amedrontamento nas vielas do bairro. à medida que o corpo florescia, o horror
da solidão em meio ao entardecer. a natureza, sinto dizer, longe de ser
perfeita. se fosse, ah se fosse. não teríamos nunca nos encontrado. nesses dias
cotidianos, te avistei sorrindo com olhos indiferentes. indiferentes como um
buraco negro que opta, por puro deleite, não devorar o planeta à sua frente. cheio
de si e vazio de nós. foi amor exatamente como havia imaginado: seu um metro e
setenta angustiado dentro da camiseta de botões e a bolsa transversal. foi amor
porque doeu como um tiro no escuro. mal percebemos a sombra estampada na
parede. havia luz: havia a consciência do erro e tapamos os olhos. um ao outro.
amor porque, hoje, pode ser dito sozinho. te amei com todos os erros
gramaticais e dissensos verbais imagináveis. como uma esteira que cobre todos
os caminhos, corro tentando alcançar sua autonomia. estupidamente continuo no exato
mesmo lugar que me deixou com seu toque métrico e eletrizante. posso dizer que
te amo? permissão? te amo como entonaria um poema dadaísta cara a cara em Zurique.
1916. só sei amor. só sei, amor. sei que roubei teu nome com a cara
delinquente. apenas pela poesia. o efêmero sentimento e os eternos rascunhos
emaranhados. não te gosto, meu vazio nem mesmo arde. compro imaginações a preço
do crack na zona norte carioca. rimo tão facilmente como o ecstasy que desperta
quando tudo deseja adormecer. se nosso amor teve frutos, foram esses maçãs de
Éris: pomos da discórdia. te amo pela arte. pelo som que o nome faz quando
aperto os lábios, estalando e tocando o céu da língua pela sua primeira letra. nas
esquinas em que te cruzo, o que refresca é a promessa de canonizar nosso
desvio. “quem planta vento, colhe tempestade”.
sábado, 9 de agosto de 2014
Aqueles dias
em que o poeta
anda tão inspirado,
que poesia para a alma
é quase como
psicografia.
Simplesmente
por arte não ser
ciência,
nossa liberdade
torna-se
questão de decência:
aproximação
e afastamento
podem ser,
da terra,
nossa visão
em uma viagem
de balão.
Abandonamos,
sob a beira da estrada,
a definição
por metáfora,
essa prática,
estática,
de-sa-fo-ra-da.
E então
permitimos
que
dia e noite não signifiquem
vida e morte,
chuva
não seja sinônimo
de recomeço,
desejo concedido
não passe de sorte
e olhar da donzela
não termine em beijo.
Nada mais é proibido:
carnaval!
O vestido despido,
nosso rosto no mural.
Em resposta
a essa proposta,
nossa prece
acontece,
a nobreza
se descomporta
o atrevimento
arromba a porta:
crime!
Regras caladas,
fechadas
e trancafiadas.
A final confiança
para crer:
nossa rima
carente, desprovida
pobre,
desfavorecida,
se enriquece
em nome
do nosso querer:
ninguém mais
vai me dizer
como minha poesia
deve ser.
sexta-feira, 8 de agosto de 2014
Vivíamos em um cerrado constante sem estações definidas. A seca real era a do sentimento: há tempos não sentíamos o toque das gotas no coração. Épocas de má colheita. "Amanhã vai ser outro dia". Repito e apoio-me no sobreviver das superficialidades. Como se o cotidiano não tivesse problemas. Apesar de você.
Poderia alimentar-me de seus silêncios. Preferi, no entanto, servir-me de poesia. Ando de lado, por entre as ruas dessa cidade geométrica. Temo esbarrar em seus olhos abstratos. Liberdade. A semana começava e tudo era igual. Imaginava o porquê das fases, o porquê do ser humano ter sido, desde o princípio, fissurado por divisões e seus reinventos.
O novo início não fazia com que voltássemos ao ponto. A verdade é que, apesar do tempo que mascara a reconciliação, a ferida do que poderia ter sido não cicatriza jamais. A gente vai vivendo. Crendo na arte vendida e no sorriso amarelo. No manifesto e na mudança. Na ação e reação. Na existência do amor. Carregamos o peso do lixo sentimental e as sobras da paixão. Fingimos. Só queríamos acreditar. Queríamos que funcionasse. Queríamos querer. Logo nós, apaixonados por recomeços, só queríamos que a segunda-feira acabasse logo.
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