segunda-feira, 28 de abril de 2014

"Ei,
Números,
Venham cá.

Onde pensam que vão
Achando-se poemas,
Exibindo essa exatidão?

Sentimento não é bem assim,
Exige uma complexidade
Bem mais além.

Ei,
Números,
Prestem atenção:

Toda essa saudade,
Que cria raízes
Não pode ser traduzida por uma simples função."
Isadora Egler

Eu não mereço ser estuprada

"Não sou objeto
Do seu prazer.
Não coloque armas sobre a minha cabeça
e me peça para ver
o que eu quero esquecer.

Corpo não é matéria
É conjunto
De sentimentos,
é morada.
Corpo não é
Puro mantimento
Para seus ideais
de mente pequena e babaca.

Anseio pelo dia
Em que a liberdade de andar nas ruas
Não seja medo constante,
mas puro sentir.
Pelo dia em que me deixem ser,
livremente,
E não apenas existir."
Isadora Egler

"Tudo começa com aspas. Só elas, digo-te de primeira, transcrevem a desordem de um coração que se esconde entre becos, dia e noite, com medo de apanhar pela simples ideia de amar em um mundo tão mecânico. E é assim que começa a nossa história: entre versos rabiscados, mesas de bares e folhas com as mais belas expressões desenhadas, uma vez que nunca permitiste que nosso amor fosse além de romances gravados em minha mente.
Talvez um dia, quando sentir na realidade a abstinência de tudo aquilo que cheguei a imaginar para nós, eu entenda porque é o teu rosto que enxergo quando fecho os olhos. Passei anos, meu bem, imaginando a fusão de dois corpos em um, brincando com palavras que traduziam teu nome e sentindo a mais amarga inveja das donzelas em cujos sonhos você insistia em aparecer. Conheci amores e desamores, mas nenhum com o teu sabor doce que trazia ao céu da minha boca uma porção de estrelas em forma de ansiedade, esperando avidamente por um único beijo. Tornei-te itinerante da minha própria ilusão.
Era servida dos mais fartos banquetes, das emoções mais variadas. Vivia à flor da pele, mas clamava, na verdade, por um jardim inteiro cercado de borboletas como no início da primavera. Como naquele outubro em que decidiste entrar de mansinho nas florestas do meu coração. A dor de não possuir-te só para mim era tanta, que só sabia que não havia perdido a cabeça por conta das longas noites de enxaqueca. Logo tu, que nunca foste fã do subliminar... Logo eu, que nunca fora a especialista em amores que cortam como navalhas.
Somente faltavam-me seus pés para completar a linda estrada que havia escrito para nós, mas insististe nessa baboseira de frações, quando tudo que queria era perder-me no labirinto dos seus braços, na ameaça de seus olhares... no teu inteiro. Juntos, transbordaríamos, e quem sabe, até, não nos tornaríamos perpétuos? Tudo o que cada célula de meu corpo pretendia era que aquelas três palavras tão belas fossem finalmente mastigadas como mel por seus lábios avermelhados.
A inquietude sempre fez com que quisesse o controle total de cada átomo em meu corpo. Preferi, desde sempre, então, o sofrimento na terra. Talvez por isso sempre tenha sido adepta a paixões avassaladoras. Mas de uns tempos pra cá, tornaste difícil a convivência perto de seus olhos tão tentadores. Punha-me a pensar, debaixo da chuva que lavava a alma, na ideia constante da amarração de duas mentes. A morte não seria sofrimento. Percebi: a vida real não é feita de poesia. Carrega consigo toda a imperfeição de demências alheias que não se encaixam em um 'eu e você'.  Meu coração transbordava. O que eu almejava era além da vida, uma vez que a fusão de duas almas só se dá pela morte. Não fomos, então decidi ser por todos aqueles que cobiçam corações postos em pedestais. Naquela noite de segunda feira tão monótona, fui, observando o céu tão denso, mas ainda sim iluminado pelo sorriso de algumas estrelas. Junte-se à Lua e ganhará o direito de ser livre."
Isadora Egler

quarta-feira, 23 de abril de 2014

Clichê em versos

"É carinho,
é cuidado,
é doce
e ao mesmo tempo amargo.

é turbilhão,
sensação,
é olhar
encarando o chão

é a fala sumir,
é o vermelho surgir
é o não me enxergar mais
e dar lugar a ti.

é imaginar
daqui a cem anos
nós dois velhinhos
juntos, resmungando

é não se lembrar
dos momentos que se passaram,
mas perceber todos os dias
por que fomos amarrados

por que a vida,
entre tantos desencontros
deu mil e um nós
e me fez gostar tanto

é amarração que desfaz
a dor de um coração partido
junta todos os pedaços
acaba com a vontade de fazer pedidos.

pois hoje, amor
só quero uma coisa:
viver uma vida com você
e o resto que se exploda."
Isadora Egler

terça-feira, 22 de abril de 2014

"Não posso desistir. Não tenho o direito de me permitir sentir esse maremoto dentro de mim. Por nós. Por ti.
Criei, envolta em um amontoado de sentimentos mal lavados, uma parede de concreto dura como um coração que conheceu o amor. Perdi, em uma floresta de medos, entre árvores que dão frutos ilusórios, a capacidade de cuspir palavras e sentir à flor da pele. Como se fosse tapada a minha boca por mãos imundas e agressivas de demônios que se alimentam da minha alma. Me peça a morte, mas não me peça para lavar o espírito tão acostumado com a sujeira.
Depositam o lixo inteiro dos padrões, da pressão, do modelo a ser seguido tão a risca e querem que pensemos de maneira inovadora. Nos apontam o dedo na cara, vociferando as instruções de um caminho a ser seguido. E nos tampam os olhos para atalhos. Empurram goela abaixo uma quantidade  de inutilidades que não nos interessam e mascaram a ineficácia com a desculpa da plantação de um futuro. Acontece que meu coração passa por um eterno período de seca.  "Cada um colhe aquilo que semeia"...
Mas por ti, meu amor, o céu fica mais claro. Passaria dias, e quem sabe até meses, trancada em uma prisão pensando no compromisso de seu rosto destinado a mim, tornando todas as manhãs uma inacabável lua de mel. Seu sorriso não deveria, mas serve como o mais potente dos calmantes. Anestesia-me.
Em meio ao absurdo do caos que permaneço, um mundo totalmente distorcido. Como uma ilha em um mar de futilidades e aparências. Onde anda a criatividade? Haveria espaço para ela em um barco lotado de ganância e obrigações? O conteúdo sente saudade da época em que o livre pensamento poderia ser exercido.
Estou sozinha. Já não há mais poços onde possa vomitar minhas incertezas, quem dirá um ombro amigo. Há tempos sinto-me como se o medo fosse devorar-me a cada instante e fosse cada dias mais fácil desistir. Não há mais razão para continuar, quando números começam a fazer mais sentido do que o próprio ser. Quando posições assumem o lugar de felicidade. Quando disputas se tornam constantes. Não existe tempo para exercer a função humana. Não existe família, amizade. Não existe amor. Mas existe, unicamente, aquilo que se faz presente e que ninguém, senão o sofredor, saberia explicar: a contínua dor."
Isadora Egler

quinta-feira, 17 de abril de 2014

"Amor
É pedaço
É carne
É fato
 
Amor
Também é dor
É sacrilégio
É mato
 
É gritado
É curto
É grosso
É alto
 
É contradição
Emoção
E noção
É trato
 
Se não for amor
É capricho
É bicho
Que anda de quatro
 
É arraste
Traste
Me trate
Como inato
 
Me diz(amor)
Nesse tanto de caso,
Amor não deveria
ser somente amado?"
Isadora Egler

segunda-feira, 14 de abril de 2014


"Querido,
se esse texto chegou até você, uma tragédia terrível aconteceu. Sinto muito. Permita-me explicar e leia atentamente, com respeito a todos os instantes que passamos juntos, sem deixar com que as lágrimas que dão as mãos no canto dos seus olhos e caminham por seu rosto, lembrando o calor que foram suas palavras entre tantas noites de tormento, manchem o papel já tão corroído por análises que nunca tiveram a chance de serem concebidas.
Escrevo esse texto, sem data, sem local, sem ao menos uma marca de formalidade e, quem dera, felicidade, pois desejo que seja atemporal. Com o tão pretensioso intuito de que se faça certo em qualquer situação, porque o hoje, por incrível que pareça, é uma terra a qual nunca teremos conhecimento. As palavras teimam em sair agora embaralhadas e confusas, como nunca antes para uma poetisa e devoradora de sentenças. Já não tenho domínio sobre mim mesma, mas... Não era esse o final escrito desde o começo dessa história?
Quisera eu que as rosas me preenchessem sempre. Mas que, de certa forma, não permanecessem sempre belas. A perfeição nunca me foi uma meta, entende? Mas frases, pontos finais, jardins com nomes de letras... ah, esses sim fizeram-se necessários nos tantos momentos de angústia. Quantas vezes já não escrevi os mais belos romances em que tudo acaba maravilhosamente bem, enquanto a alma não era embebedada pelo veneno dos escorpiões que encontramos no dia-a-dia, chamados de constância?
Lembra-se da imagem da menina com postura de moça que, você unicamente sabia, encantava-se com a ideia de que nada era pra sempre? A jovem que desejava criar suas próprias asas para que pudesse desprender-se desse mundo tolo e conformado... Seu coração não era terreno baldio onde era permitido que seres não sonhadores despejassem seus conselhos.
É. Coração não é terreno baldio e nunca foi. Desculpe-me pelos anos sem notícias, mas essa menina tão cheia de nada decidiu juntar as dúvidas em uma mala e partir, como sua natureza sempre gritara. Condenava raízes. Apesar de ter abandonado alguns sonhos na estrada, continuou seguindo a lua que lhe guiaria sempre para uma terra de sonhos. Percebeu que nada seria resolvido por completo, porque essa mediocridade que chamamos de vida ainda deveria nos render boas poesias. E assim começou, entregando-se em cada ponto e enchendo as manhãs de reticências.
No fundo sabia que tudo terminaria assim. As experiências tornariam-se pequenas demais para seu coração que esbravejava por estados de espírito cada vez mais altos. Era solo de uma mente que desejava unicamente por paz, na verdade. Puramente por emoções inalcançáveis.
O medo era grande, meu bem. Era tanto que se fazia necessário o estar presa a correntes em um próprio altar cada vez mais pagão. Precisava me afastar de janelas, facas e corações apaixonados, pois a consequência seria terrível.
Olhava para o mar com o desejo de liberdade. Não queria mais ser viva. Queria ser milagre. E assim, fez-se. Atirando-se à tão desejada autonomia dos que nunca amaram em chão batido e vencendo-se pela dor daqueles que nunca atingiram a alegria da continuidade."
Isadora Egler

quinta-feira, 10 de abril de 2014


"Mesmo sabendo que ela estaria sempre ali, petrificada, parada, branquinha, encabulada e estacionada naquele céu enorme, sendo objeto do meu maior desejo, onde posso dizer que encontro (pretensiosamente, mas digo) o reflexo da minha própria alma, diversas vezes me peguei desejando o quanto queria que a lua caísse.
'Ela deve cansar de passar todas as noites naquele mesmo lugar', penso eu. E mesmo rodeada com as mais belas estrelas, eu aposto todas as cadentes e supernovas que insistem em exibir a sua liberdade, que ela já se sentiu só alguma vez e desejou desabar, ou até mesmo chover com a tão inalcançável autonomia das gotas. Deve perguntar-se constantemente o porquê dessa beleza toda, o porquê dessa imensidão que, em tempos de trevas, nos traz uma avalanche de melancolia e faz surgir o questionamento 'quem sou eu no mundo?' e , principalmente, deve ter questionado a si própria o porquê de toda essa exuberância, se não alcançará nunca a jubilidade de ver como é bem mais lindo o céu visto daqui de baixo.
Será que nunca se pegou sonhando acordada, pensando em um olhar admirado vindo da terra? Ou quem sabe finge-se apaixonada pelo mar, enquanto observa nele um reflexo de calmaria vindo dos raios de sol? Talvez o eclipse mesmo tenha sido criado como forma de lembrar-nos que nenhum amor é impossível... Quantas dores cabem em um coração de lua?
Eu sei, não deveria atribuir à essa medrosa que me vira as costas doze horas por dia, toda essa admiração. Me cativa, todavia, a capacidade de continuar girando em meio a tanta solidão. Eu consigo, afinal, tenho palavras. Mas qual seria o escape da própria lua, que vive em um eterno mundo sem resposta, onde nenhum de seus desesperos são ouvidos? Ainda tem que aguentar exclamações ingratas daqueles que dizem que tem fases. Ora, é claro que tem! Não pode ao menos disfarçar um sorriso em forma de 'minguância'?
O ponto que me conduzo, em meio a madrugadas intensas e copos de café, é que a lua, com suas cíclicas e eternas temporadas, somos nós em meio a uma realidade que nos joga na cara o quanto não existe um "nascer da noite". Porque no fundo, sabemos, crescer dói, mudar machuca, mas nada arde mais do que estar ancorado a um lugar ao qual não pertencemos."
Isadora Egler

terça-feira, 1 de abril de 2014

"Disfarces, folhas, encaixes

medos que se eternizam

em forma de coleção

pensamentos que foram

e nunca mais serão...


Furacão, dor, coração

em seu peito carrega um templo

que incendeia

e se faz máscara

em forma de imensidão.


Beijos, portas, medos

um contrato que sela

o futuro.

Ele?

Um imensurável furacão.


Arrebata, chicoteia, devasta

peitos, moradas, oração.

Uma luta constante que berra:

serei eu

mais um na multidão?


Dúvidas, nós, bailes,

laços que desatam,

família que prende

indagação no fundo

do infinito de quem sente


É fogo, é mar, é céu

é chama que queima

no breu, na minha escuridão

é revolta que espera

um não ao dizer que é são.


Faísca, brisa, incompetência

é o medo pela constância

que clama:

seja dentre um ano de seca

a esperança de um trovão


é olhar, medo, hipocrisia

poesia em forma de movimentos

movimentos em forma de estesia.

Corrói de um jeito que renova.

Contradição?


Prédios, janela, hipotermia

sorrisos de plástico, rostos de cerâmica

gritos que me perguntam

avidamente

onde foi parar a senhora expressão


Ideia, sonho, amanhã

mãos que socam e vendem

corpos que secam em vão

ventos que sopram

pra uma única direção


Dores, flores, espinhos

abraços amigos

carregam um berço,

um caminho inteiro

de traição


Certezas, baques, luas

uma camisa de força

uma força que puxa.

Um beijo que torce

e torna-se amarração.


Ouvidos, choques, ruídos

melodias que doem

em monofonia

uma canção onde lê-se sem piedade

tensão.


Distopias, morte, visita

no dia da mentira

a exuberância de ser de verdade

especificamente, uma vaidade que sente:

ilusão."

Isadora Egler