segunda-feira, 14 de abril de 2014


"Querido,
se esse texto chegou até você, uma tragédia terrível aconteceu. Sinto muito. Permita-me explicar e leia atentamente, com respeito a todos os instantes que passamos juntos, sem deixar com que as lágrimas que dão as mãos no canto dos seus olhos e caminham por seu rosto, lembrando o calor que foram suas palavras entre tantas noites de tormento, manchem o papel já tão corroído por análises que nunca tiveram a chance de serem concebidas.
Escrevo esse texto, sem data, sem local, sem ao menos uma marca de formalidade e, quem dera, felicidade, pois desejo que seja atemporal. Com o tão pretensioso intuito de que se faça certo em qualquer situação, porque o hoje, por incrível que pareça, é uma terra a qual nunca teremos conhecimento. As palavras teimam em sair agora embaralhadas e confusas, como nunca antes para uma poetisa e devoradora de sentenças. Já não tenho domínio sobre mim mesma, mas... Não era esse o final escrito desde o começo dessa história?
Quisera eu que as rosas me preenchessem sempre. Mas que, de certa forma, não permanecessem sempre belas. A perfeição nunca me foi uma meta, entende? Mas frases, pontos finais, jardins com nomes de letras... ah, esses sim fizeram-se necessários nos tantos momentos de angústia. Quantas vezes já não escrevi os mais belos romances em que tudo acaba maravilhosamente bem, enquanto a alma não era embebedada pelo veneno dos escorpiões que encontramos no dia-a-dia, chamados de constância?
Lembra-se da imagem da menina com postura de moça que, você unicamente sabia, encantava-se com a ideia de que nada era pra sempre? A jovem que desejava criar suas próprias asas para que pudesse desprender-se desse mundo tolo e conformado... Seu coração não era terreno baldio onde era permitido que seres não sonhadores despejassem seus conselhos.
É. Coração não é terreno baldio e nunca foi. Desculpe-me pelos anos sem notícias, mas essa menina tão cheia de nada decidiu juntar as dúvidas em uma mala e partir, como sua natureza sempre gritara. Condenava raízes. Apesar de ter abandonado alguns sonhos na estrada, continuou seguindo a lua que lhe guiaria sempre para uma terra de sonhos. Percebeu que nada seria resolvido por completo, porque essa mediocridade que chamamos de vida ainda deveria nos render boas poesias. E assim começou, entregando-se em cada ponto e enchendo as manhãs de reticências.
No fundo sabia que tudo terminaria assim. As experiências tornariam-se pequenas demais para seu coração que esbravejava por estados de espírito cada vez mais altos. Era solo de uma mente que desejava unicamente por paz, na verdade. Puramente por emoções inalcançáveis.
O medo era grande, meu bem. Era tanto que se fazia necessário o estar presa a correntes em um próprio altar cada vez mais pagão. Precisava me afastar de janelas, facas e corações apaixonados, pois a consequência seria terrível.
Olhava para o mar com o desejo de liberdade. Não queria mais ser viva. Queria ser milagre. E assim, fez-se. Atirando-se à tão desejada autonomia dos que nunca amaram em chão batido e vencendo-se pela dor daqueles que nunca atingiram a alegria da continuidade."
Isadora Egler

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