quarta-feira, 28 de maio de 2014


"Às vezes surge essa vontade incômoda de chorar um texto para fora de mim. Um âmago forte, que corrói, arde, e nos infla até que a dor seja estourada como um balão e as palavras já tão naturais escorram dos olhos. Por desespero, na tentativa de refugiar tudo isso que sinto e tornar imortal esse sentimento, no caso de dias em que me parece que brevemente nem toda a poesia do mundo conseguirá abrigar esse pesar, essa gravidade que se chama “amor” e me puxa para tão perto dos seus olhos perversos.
Sou capturada, constantemente, pela armadilha de ter que explicar a minha falta de sensibilidade perante os maiores horrores e rangeres de dentes. Ora, haveria de existir uma maneira de compensar meus excessos. Admito: as lágrimas de um escritor são seus versos. Ser realista nunca foi um santo remédio. Optei pela dor de cravar em meu próprio coração uma adaga, na busca de algo que me bombeie sem esforços: melancolia.
Acontece, anjo, que isso nunca foi sobre mim. Não te recomendaria a rima alguma. Enganam-se, entretanto, aqueles que pensam que o poeta domina a sua própria poesia. Aviso-lhes: não se faz eu-lírico. Torna-se. Nessa orquestra de frases sem palavras e desconexas com o íntimo de nossas almas, o som da sua melodia tocou meu coração como se fosse corda.
Que equívoco enorme foi apaixonar-me por seu mar inquieto. Confesso que sempre fui adepta a aventuras, mas de exatos 8 meses, 5 dias, 2 horas e 35 minutos pra cá, tenho me afogado todas as noites. Um choro de criança, ou talvez a voz da esperança. De repente é como se as semanas perdurassem anos, os segundos perdurassem séculos, milênios talvez. Ansiedade. Ou talvez o seu nome.
Poderia ter todos aos meus pés, mas do que me adiantaria? Continuaria te tendo na minha cabeça. Não aguento mais ter de te ver preso como obra prima atrás dessa parede de concreto que se chama mistério. Deveria ter revisto mil vezes os contratos antes de comprar a sua ideia de amor, querido. Mas você me conhece, sou impulsiva. Talvez não por opção, à priori. Agora estou condenada a passar o resto de meus dias encantada com uma fotografia coberta, feita pelo maior artista que captura amor.
Não tenho o estômago necessário para esquecer-me da sua aura. Abandonar esse amor não poderia jamais. Entenda que, para domadores de estrofes e rabiscos, apagar parágrafos pode ser o pior dos sinônimos de dor. Assusto-me ao encontrar sua essência que serve de guia na escuridão, mas afinal, como diria o grande mestre domador de palavras, “essa ferida, meu bem, às vezes não sara nunca, às vezes sara amanhã”. Só espero que não faça as malas tão cedo, pois minhas rimas ainda não se preparam para receber como hóspede nenhum outro assunto senão a nossa inexistente paixão. "
Isadora Egler

segunda-feira, 26 de maio de 2014

            "Gosto desses seus versos doentes, impregnados de dor. Você realmente quer essa mulher? Pague o preço que lhe é cobrado. Mulheres jogam duro, parceiro. Sacia-me a ideia de cada parte do seu corpo se contorcendo por amor. Enquanto pensa que ela te quer sóbrio, não imagina que seu único desejo é lhe embebedar em uma cama de domingo. Isso, acende mais um cigarro. Quem sabe assim não apaga a dor. Envenena-se com a sua própria poesia.
De tanto brincar de poeta, acabou com a sina de amantes incondicionais. Nesse mundo, colega, a vertigem é constante. Não adianta cuspir um galanteio aqui ou ali. Você tá jogando com uma mulher de verdade. E quer saber? Boa sorte. Porque seus versos me enojam e o seu orgulho me fere. Lembra-se daquela noite em que me deixou doente por um beijo que nem mesmo existiu? Quando seus dedos tocaram o meu corpo como verdadeiras teclas de piano? Era claro como o uísque barato que escorria de nossas bocas que um romance como aquele seria berçário para futuras mentiras. Seus lábios tinham gosto de cigarro e bebida barata. Como poderia não viciar? Seus olhos vagavam pelo céu negro e, naquele momento, vi no inferno astral que meu paraíso era leão. Procurávamos por liberdade, mas quando palavras fugiam de sua boca, parecia que se perdia cada vez mais dentro de si. Vaidoso, mesquinho. Dono do meu coração. Queria ver-me queimar nesse inferno sempre presente na sua prosa. Acontece, amor, que nessa história não sou Dante.
Naquele frio de gotas finas que, mais tarde, lembraria a solidão de estar ao seu lado, fui-me embora. Tenha esquecido, talvez, fragmentos de minha alma na palma de sua mão. O pior erro havia sido cometido. Passaria agora noites de loucura, tendo de suportar a mim mesma em uma situação de jamais alcançar respostas para os questionamentos de um ser que prova da paixão. Pilantra. Lembra-se de quando chegamos a acreditar que seríamos combustível para a mais brilhante das explosões? Simplesmente por sermos nós mesmos. Pois costumávamos ser eternos. Dois artistas em busca do pecado que é viver sobre um teto de vidro chamado ‘poesia’. Mal sabia eu que aquele vazio que há tanto já cortava a sua carne, serviria como abrigo em tempos de chuva de granizo.
Espero que lhe doa, que lhe arranque suspiros e leve para sempre a vontade do inconstante embora. Espero que dilacere a sua carne. Que ao oferecer a mão, não consiga cumprir a promessa de fazer alguém feliz. Seu falso romantismo será apenas a largada para lamentos reais. Porque essa moça, rapaz, nunca te dirá não. Você sabe o quanto é valiosa a verdade. Dói apenas uma vez. Não fica por aí, zanzando em forma de “talvez”. Sofra por essa mulher como pena pela maior infração de, tantas vezes, fingir amor que se fez cravo quando tudo pareciam rosas."
Isadora Egler

sábado, 24 de maio de 2014

"Batia nas teclas da máquina com força. Meu coração virara aterro sanitário. Como de praxe, eu diria. Era tão comum receber a dor de portas abertas. Servir, inclusive, um café. Arrumar um quarto, quem sabe. “Logo pras dores, megeras tão acostumadas com o luxo de paixões devastadoras? Tão insistentes e sedentas pelo que há de mais certo e completo em nossas vidas?”, poderia rebater-me qualquer um que um dia vivera a queda livre que é amar. De fato, dores comumente anseiam pelo que há de mais requintado. Mas não a minha dor. Meu sofrimento era boêmio, contentado com o pouco. Acostumava-se com o quarto de hóspedes e o banho gelado na madrugada das duas. Mesmo incontáveis vezes pedindo que pelo menos não cedesse espaço para o vazio, dizia-se de passagem. Dizia-me que a solidão havia de esperá-la em casa quando o dia amanhecesse. E levava, então, meu coração de presente, já tão amargo e inútil.
Como pode alguém, pergunto-me entre devaneios e memórias que expulsam meu ar do pulmão com tantos pesares, tornar-se adepto à dor? Até mesmo aqueles que se dizem poetas. Digo que se denominam assim, feiticeiros de palavras, mas volto atrás concluindo que ninguém em sã consciência optaria pela batalha eterna entre o querer e o conseguir, entre o ser e as tentativas de vomitar emoções que correm em minhas veias, substituindo o sangue desprezível que corre frio em burgueses da monotonia.
Acendendo um (outro) cigarro, impedida de continuar a escrever devido à dor na fronte resultante de um desejo tão virulento, comovo-me pela lua que me visita da sacada do primeiro andar. Seria ela dona dos mesmos sentimentos de nossa primeira noite de amor? Ou teria sido boazinha, e arranjado uma substituta para que não ardesse em febre meu corpo cada vez que me lembrasse de como cada átomo meu transbordou quando seus lábios doces e experientes encontraram meu peito?
Dizem-me que não preciso de restos de expectativas para tornar-me completa. Mas meu bem, tudo parecera tão real naquela nossa única noite. Lembra-se de como nossos esqueletos gritaram por serem apenas um? Entrega. Poderia jurar de pés juntos que outra alma sentimental corresponderia a meus âmbitos. Correndo novamente a cena de nossas competições de conversas desperdiçadas (mal sabia eu que seriam solo para tantas poesias), minha respiração se altera quando chego à parte em que depois de tanto nos despirmos de palavras, seu abraço cobriu-me do vento gélido. Costumávamos ser tão eternos. Só posso dizer, meu bem, que a junção de dois universos inconstantes dão à luz a estabilidade. E ao meu lado, seus versos não se tornariam vívidos.
Mas quer saber? Esquece aquela nudez. Esquece aquelas minhas últimas estrofes. Tudo tem uma resposta mais simples, um final indolor, ainda que esforçado. Eu não me importo. Seu caos mortífero já não tenho mais vontade de colher. Suas falsas poesias, quem dirá. Mas é claro para qualquer um de nós que o destino pode querer. Se quiser, todavia, peço que me mate ali, para que juntos já não suponhamos mais o céu. Está certo que as portas estão fechadas e as janelas também. Acontece que vontade de entrar já não tenho mais. Se quando tudo dá tão certo, o cotidiano continua tão triste, o que me resta é estar errada, vivendo sob a infelicidade de quem mergulha em rios de incertezas."
Isadora Egler

quinta-feira, 15 de maio de 2014


"Entre tantos devaneios, a cabeça rodando após um ou dois copos de uísque, volto para casa cambaleando e me apoiando apenas na promessa de que o passar da noite levaria embora toda essa inércia impregnada em meu corpo.
Descendo a rua vazia e silenciosa, com a companhia apenas de becos abandonados e gritos abafados, me deparo com a imagem da lua branca e petrificada logo no fim da estrada. Chamava-me. Passados alguns instantes perdurando pensamentos insanos sobre essa malandra, pus-me a pensar: o desejo pela lua, que surge sem motivo no caminho abandonado que a torna tão próxima, é fruto de amores inalcançáveis. A lua seduz como se pudesse nos abraçar com seu brilho, como se nos esperasse de braços abertos, acompanhada de buracos negros que esconderiam os pesares da vida, no fim dessa viagem que chamamos de dor. Como o seu sorriso que prevê juras de paixões que poderiam ser tanto, mas insistem em ser nada.
Corre em minha mente, me congelando mais uma vez em frente a esse cobertor de estrelas, uma cena tão corriqueira de minha infância, já deixada para trás perante as obrigações que trazem o passar dos anos. Minha mãe gritando em noites que a felicidade parecia duradoura... “Menino, volte já! Pensa que é dono de si mesmo?”. Nunca fui. Costumava ser o menino dela. Agora, sou o seu.
Chegando em casa, me arrastando para finalmente encontrar o conforto de um lar após uma noite tão pagã, me joguei sobre o sofá sujo com a espuma já quase desfeita. Levantei-me. A enxaqueca me consumia, mas a ressaca era moral. Não conseguia pegar no sono de maneira alguma. Alcancei na mesa de cabeceira algumas fotografias suas e conclui que, sem dúvida, me tornaria seu anfitrião a qualquer hora da madrugada em que você precisasse chorar em meus braços por ele. Por você.
Dirigi-me até o escritório a fim de pegar algumas folhas de caderno rascunhadas com seu nome. Não diria que a insônia e a poesia são boas amigas, mas convivem juntas por necessidade. Aturam-se, afinal, é no calar da noite que surgem os versos mais lindos, quando seu nome mora em minha mente e insiste em fazer acampamento.
Sinto-me nostálgico. Se eu soubesse a importância que teria aquela velha máquina de escrever herdada de meu avô, jamais teria a chamado de bugiganga e a jogado no lixo. Pensando bem, essa melancolia toda deve ser apenas a preguiça causada pelo efeito do álcool. Minha musa inspiradora, sua saudade me corrói. Sinto-me pesado, mas vazio sem seu carinho. Gostaria da cor de suas bochechas rosadas que silenciariam todos os demônios que abrigo dentro de mim. Gostaria de transformar-te em poesia. Entretanto, querida, há realidades tão tóxicas que só poderiam ser transcritas em forma de prosas malditas..."
Isadora Egler

domingo, 11 de maio de 2014

"É, eu que jurei que não falaria mais de amor. Que afirmei de pés juntos substituir o gosto do seu nome e como ele costumava soar bem perto do meu, por doses de saudade. Eu que fiz a promessa de vender em um brechó todas as lágrimas já derramadas, para que pudesse comprar um óculos novo, sair por aí e enxergar o quanto podem ser bonitas essas manhãs sem ti, pergunto-me nesse instante porque meus pés continuam me arrastando para lugares que deveriam ser tão nossos. Deveriam.
Corre em minha mente a imagem dos seus olhos tão marcados pela dor de estar sozinho, observando aquele relógio velho pendurado na parede do seu quarto cujos ponteiros marcam 20:39. Horinha boa essa. Horinha boa pra deitar no seu colo e repetir, como todas as vezes, o quanto a sua alma se encaixou com a minha quando, despretensiosamente, nos encontramos naquela quinta feira de maio. Horinha boa pra rir da sua cara de bobo enrolando os dedos nos cachos despenteados que caem sobre meu rosto. Horinha boa pra perceber o quanto precisou dar errado com todos os outros que insistiram em ser copos pela metade, para que finalmente pudesse encontrar uma outra chaleira fervente que transbordasse sentimentos. Horinha boa pra, mais uma vez, você, tão reparador em olhares e sorrisos, notar o quanto meu espírito se transforma na luz de todas as estrelas cadentes juntas, quando ao seu lado. Horinha boa pra qualquer coisa junto ao seu coração, menos pra me pegar, entre tantas viagens, lembrando de como foi tão fácil para ti sair por aquela porta, quando minha única vontade era a de que fôssemos parágrafos longos e inacabáveis.
Saudades de todos os beijos que ainda seriam, enquanto nosso riso se confundiria por um dia termos afirmado que o pra sempre era terra dos nossos sonhos. A rotina, meu bem, costumava ser essencialmente sincrônica. E, agora, encontro-me sentada acompanhada de todos os demônios que há tanto tempo não se faziam presentes. Asseguro-te que reformaria todas ruas em que seus pés tocassem, se me assegurasse uma vida conjunta. Você, entretanto, decidiu escolher a estrada do exílio.
Lembrando-me de como era sentir todas as noites a sua respiração abafada e aquele tom de voz que se forçava a esconder os pesares, certifiquei-me de que não haveria momento algum em que alcançaria os seus passos nesse caminho da poesia. Assumo a culpa por ter te colocado em tantas das minhas expectativas cotidianas. Por ter te amado do jeito doentio, na tentativa de te contaminar. Por ter escrito, incontáveis vezes, o horizonte na palma da minha mão e por ter sonhado versos exageradamente clichês e repetitivos como esses, a fim de te arrastar para longe dessa inércia. 

Como poderia desejar que não encontrasse donzela alguma dentre tantas das suas batalhas? Nunca bateria em minha porta, apesar da dor de ver quem se ama partir, a ideia do seu isolamento infindável. Perdoa-me pela insanidade de quem se entrega. Propaguei sensibilidade demais. Fui louca. Por ti. Na tentativa ingênua de tornar-me semente para que você me regasse, protegesse e transformasse na flor mais linda do seu oásis."
Isadora Egler

quinta-feira, 8 de maio de 2014

"Covarde.
Seus pensamentos medrosos
Não tem espaço
Na minha imensidão.
Não se faça de tonto
assuma seus erros
E o medo
De alguma vez na vida
Fazer-se coração.
Esconda-se
Atrás de suas poesias mal lavadas
Com a cor
Da alma de um fracassado.
Imundo.
Mascara a falta de sensibilidade
Criando versos soltos
Fingindo
Ser apenas o desejo
Do que pudesse mover
Sua imaginação.
A ti
Desejo apenas o pior
A dor
De uma alma partida
Cacos
De uma vida inteira
Remoída
Que para sempre
Perfurarão a sua mente
com a promessa
De que possa aprender
A amar
E não a se esconder
Atrás dessas rimas
De quem na verdade
tanto mente."
Isadora Egler

"Talvez  fosse o peso das escolhas passadas, de alguma forma. Talvez fosse o perceber tão doentio de que a realidade é verdadeiramente palco para hipocrisia e futilidade. Talvez ao me diferenciar cada vez mais do mundo, tenha achado a mim mesma em uma posição extremamente delicada de protagonista da própria dor. Talvez tenha ido tão fundo que já não consiga mais recuperar as pequenas partículas que ainda me conectavam com esse dia-a-dia tão nocivo. Talvez.
Somos todos fantoches dessa existência que oferece massacres para aqueles que se ausentaram dos treinamentos para cegar os olhos sobre toda essa miséria que nos cerca. O estoque de doses de mentira acabou, e não sei ao certo dizer se isso é bom ou ruim. Há, mais do que nunca, a consciência gritante do meu ser. Da minha essência. Do abandono que rasga por dentro. De, pela primeira vez na vida, não desejar uma volta por cima que sempre acaba no mesmo lugar da queda. Estou andando em círculos.
Não é possível enxergar a luz ao fim do túnel, uma vez que conheci a verdade. Por que haveria de ter motivos para continuar, quando tudo volta, sem dúvidas, a ser o que era antes?
Possivelmente a solução seria uma desintoxicação de tudo o que não deu certo. Uma internação no paraíso, quem sabe. A falta de tempo nos consome e tenta mascarar que todo sacrifício é para que, futuramente, colhamos os frutos do sucesso. Que tipo de sucesso seria esse, me pergunto, em que somos vítimas de um constante desejo por mais? Onde a ganância é a lei da vida?
Já procurei nos poços mais escondidos a resposta para tantos pesares. Analisando minuciosamente a real forma de minha personalidade, percebo que durante todo o sempre, permaneci mutável perante as lástimas que me impunha a vida. Segui o curso, pois sempre parecera o melhor a ser feito. E refeito. Pois o amanhã haveria de nascer mais bonito, certo? Pena que o sol nunca mais surgira como quando nos primeiros capítulos da minha história.
Não sei o que fazer. Ninguém sabe. Tirem suas mãos de mim. É comprovado, o ato de se refazer sempre é interrompido com mais uma das bombas jogadas pelo acordo de não ser feliz. Tudo o que queria, digo com certeza, é que esse silêncio destruidor nunca tivesse feito parte de mim. De certa forma, sinto-me como se as lágrimas não fossem mais suficientes e tivesse que deixar o sangue falar. Se é isso que me foi destinado, deixem com que viva a minha maneira. Arde, mas me salva de todo esse absurdo que vivenciamos. Só queria machucá-los, como machucaram a mim."
Isadora Egler


quarta-feira, 7 de maio de 2014

"Saudades da infância, terra onde não havia preocupações em mergulhar nas situações. Onde a única realidade era, talvez, a viagem entre reinos encantados, faroestes e bosques sombrios. Onde mandávamos em nós mesmos e corações quebrados eram curados com a promessa de que o príncipe, mais tarde, viria a surgir para lutar com todos os monstros da realidade que, aprenderíamos, pode ser tão cruel.
Lembro-me com nostalgia das grandes festas de natal, das tantas vezes em que ansiávamos pelo marco dos relógios à meia noite, a fim de que pudêssemos, sem paranóia alguma, rasgar o papel do presente mais precioso dado por nossos pais. E imaginávamos, a noite inteira, lutando contra o sono, o prazer causado pelas brincadeiras que viriam.
O começo da vida fazia-se a parte mais doce, uma vez que os corações ainda possuíam caráter intocável e precioso. Não fazia parte das brincadeiras o sentimento, o desejo, a quebra de uma emoção cultivada com tanto carinho no fundo de nossa alma. O desapego não constava no vocabulário jovem. Não conhecíamos o abandono.
Pergunto-me o porquê de toda a burocracia em volta das situações do dia-a-dia e o medo da entrega. Há, a medida em que envelhecemos, cada vez mais receio em rasgar os papéis da vida. Mas como poderemos saber os presentes que nos aguardam, quando temos tanto temor em nos doarmos?
A realidade batalhou impiedosamente para nos mostrar que a vida não é como nos contos de fadas. O mundo amanhece irreconhecível e deposita, todos os dias, toneladas de seu lixo sobre nossos ombros. Não permite chances para a felicidade, pois toda vez que a história parece chegar ao seu final feliz, somos surpreendidos por novos capítulos.
O cotidiano adulto não abre espaço para amores. Não abriga tesouros perdidos que levariam à felicidade. A única solução, concluo, é drogar-se com doses altíssimas que mascarem a dor de um espírito sentimental. Tento, mas já não há mais a ingenuidade para com as palavras da infância. Não há mais a necessidade de chorar no colo de um porto seguro, pois os machucados são outros... Repito: saudades da infância, terra onde não havia preocupações em mergulhar nas situações... O navio em minha alma já encontra-se longe, a visão desse reino é turva... não há mais como voltar. Permaneço intacta em meio ao oceano que criou minha própria solidão."
Isadora Egler

terça-feira, 6 de maio de 2014

    "Júlia percebera que não precisava encontrar algo que pudesse mover seu coração. Tudo lhe atingia por inteiro. Seus caminhos só poderiam ser completos por meio de cortes, quedas e abandonos. A realidade era uma maldita.
Não entendia como é que queriam tanto que falasse sobre os caprichos de um mundo jovem, quando impunham limites sobre a capacidade de sentir. "Atente, não se deve entregar totalmente. Prenda-se à malícia, esqueça essa ingenuidade de flor, menina". Continuava sem entender como conciliar um mundo tão desapegado com a cascata de emoções que abrigava seu coração. Deveria Júlia fazer-se imortal?
Guilherme também se fora. Se fora com todas as suas promessas de mudanças. Causou, sim, um rebuliço. Fez bagunça, como quem não quer nada, trocou incertezas de lugar, tomou um café, mexeu com o resto de dignidade que restava. Mas ensinou. Ensinou que não se deve esperar absolutamente nada de ninguém. Que o mundo dos sonhos é sempre, sem exceções, mais maravilhoso que a grotesca realidade, afinal, quem melhor do que nossa própria alma para criar versos capazes de traduzir o coração?
Enxergou que amor nenhum vem de graça. E que amor nenhum, sob hipótese alguma, vem para o bem. Vivia e, dia-a-dia, só desejava que aqueles ao seu redor enxergassem que a desordem é necessária para a arte. O que seria dos grandes poetas sem o gosto do fracasso? Quando se presta atenção exagerada nas coisas, tudo torna-se ensinamento para o âmago. 
Júlia não queria mais fazer parte desse jogo. Não aceitava a falta de alguém que pudesse tocar-lhe o coração. Encontrara, ao longo da estrada inóspita, poetas, mágicos, palhaços, dançarinos e atores com os mais variados jeitos de despertar uma visão diferente desse cotidiano amargurado. Nenhum, entretanto, fizera-se disposto a ficar e seguir viagem... O calor é o combustível das palavras. Não entrava em suas veias o medo da entrega. 
Após longos dias caminhando, tendo como única companhia a lua que, de certa forma, tornava as noites mais geladas, quentes, pelo simples fato de ser a própria transfiguração do passado, percebeu que talvez tivesse, sim, nascido no lugar errado. Era da raça daqueles que tomavam como religião o ato de se jogar de abismos sem medo dos cinco segundos que viriam depois. A liberdade da queda valeria todas horas de dor seguintes. Costumava parar no meio do caminho para escrever cartas àqueles que, apesar de recriminarem e carregarem em si marcas de preconceito por sentimentais, se preocupavam. Tentava deixar claro que a ideia de abandono se fazia existente, pois a cada amanhecer afogava-se mais na pressão de encaixar-se. Cogitava, todos os segundos do dia, dar fim a esse sofrimento. Era claro, mas aqueles que não se deixavam viver a alegria de uma rima, nunca entenderiam. Júlia desejava o fim. Júlia desejava a morte. Júlia pensava, a cada instante, na leveza que só viria por meio de um adeus. Júlia despedia-se a cada dia do mundo, por meio da melancolia de suas poesias."


"Como deve ser
Beijar os lábios
de um poeta?
Pego-me pensando
E caio na tentação
de imaginar
Palavras escorregando
Da sua boca
À luz do luar
Quando finalmente
Nossos lábios
Como versos soltos
Tornarem-se estrofes
e começarmos
O bendito ritual
De parafrasear
E a metáfora
Se fizer presente
A todo instante
Apagando da memória
Paixões racionais
Dando espaço
Às mais belas analogias
Da delicadeza de um coração
Artista
Que faz da vida
Cerca de estesia
E suga
o tutano da vida.
Poesia."
Isadora Egler

segunda-feira, 5 de maio de 2014

"Sentimento É questão de território Da não pesquisa de política externa, Uma vez que não explora Amores passados. É solo infértil, Terra de desabrigados. Crise anunciada À imaginação já tão prejudicada. É questão de dúvida Pedido de decoro A beijos e louvores sofridos e torturados. É um querer tão constante, É discursar emoção por meio de palavras, De um coração que, Depois de inúmeras falhas, Permanece refugiado"
Isadora Egler
  

"Será que nunca entenderão que escrevo, não pelo puro prazer e por mero capricho, mas por necessidade? Entre quedas e decolagens, aprendi que poemas são nada mais nada menos do que as ruínas de um coração que teima em se reerguer. Após horas, dias e noites, meses que pareceram anos e séculos que passaram mais rápido do que nunca, percebi que não basta conectar versos soltos de um momento de dor. Escrever é a cura para toda a desordem de uma mente insana que roga por inconstância e, dessa vez, o meu texto não tornaria implícito você.
  Não diria que dói machucar-me com minhas fantasias. Mas diria que incomoda. Tendo meus espinhos, machuco-me mais a mim mesma, do que aos outros. Olhando a lua, como tantas vezes já me peguei fazendo, indaguei-me por que o sofrimento é tão bem vindo na casa dos que sentem demasiadamente. Formulei, rapidamente, uma teoria furada (digo rapidamente, porque essa resposta deve, sim, estar intrínseca a mim). Aqueles que transfiguram a realidade doente na qual vivemos em sonho, clamam por algo que os tire do comum obviamente porque arte é percepção. Uma vez que a percepção somente se ocasiona em crises existenciais, momentos de desgraça profunda ou de paixões que rasgam a carne, conclui-se que a estabilidade torna-se veneno. Alguns abominam pequenas mudanças no sentir, enquanto a casta daqueles que amam a dor, abomina o que é suficiente. E é por isso que o poeta sempre se apaixona por aquilo que não pode tocar.
  O amor de um trovador é puro. Se apaixona por tudo. Por olhos brilhantes, pela lágrima em seus sonhos, pelo caminho na chuva... se apaixona porque precisa de amor para alimentar a sua poesia. E é, por isso, a forma mais inocente e verdadeira de gostar de alguém. Há quem não saiba, entretanto, lidar com a poesia. Só não pense que será aquele que acabará com a minha vontade de cheirar as flores.
  Viajando no tempo e pensando em tudo que já arrancou bons e maus suspiros do meu ser, percebi que já me entreguei aos dois lados do extremo. A arrebatamentos essencialmente racionais e àqueles que respiram sentimento, porque oxigênio os mataria. Nenhum deles, no entanto, foi capaz de sanar a minha loucura que imagino cada dia mais, pode não ter cura alguma.
  Entendi que essa coisa toda de destino pode não ser para algumas pessoas. Talvez por um caráter divino que enxerga que finalmente encontrar um amor definitivo, mataria a nós mesmos, melancólicos. Não tente, portanto, dizer-me que preciso ir com calma. Tenho consciência plena de meus sentidos, que mudaram tanto, ao longo dessa montanha russa que é viver ansiando o novo. A poesia me basta. Possivelmente, para alguns, o amor é isso mesmo, radiação. Às vezes, nem mesmo outra alma sensível entende nossa melancolia.
  Deduzo que tento convencer-me de que os momentos de desconforto são essenciais. Nada precisa estar no lugar. Afinal, como um pássaro que canta todos os dias a mesma canção poderia perceber o leque de melodias existentes, se não sendo preso em uma gaiola? Atraio-me, por fim, para a ideia de que não preciso trancar-me em uma cela. Nem me proteger. Posso ser e sentir. Expelir vontades. Sem ti."
Isadora Egler