"Batia nas teclas da máquina com
força. Meu coração virara aterro sanitário. Como de praxe, eu diria. Era tão
comum receber a dor de portas abertas. Servir, inclusive, um café. Arrumar um
quarto, quem sabe. “Logo pras dores, megeras tão acostumadas com o luxo de
paixões devastadoras? Tão insistentes e sedentas pelo que há de mais certo e
completo em nossas vidas?”, poderia rebater-me qualquer um que um dia vivera a
queda livre que é amar. De fato, dores comumente anseiam pelo que há de mais
requintado. Mas não a minha dor. Meu sofrimento era boêmio, contentado com o
pouco. Acostumava-se com o quarto de hóspedes e o banho gelado na madrugada das
duas. Mesmo incontáveis vezes pedindo que pelo menos não cedesse espaço para o
vazio, dizia-se de passagem. Dizia-me que a solidão havia de esperá-la em casa
quando o dia amanhecesse. E levava, então, meu coração de presente, já tão
amargo e inútil.
Como pode alguém, pergunto-me entre
devaneios e memórias que expulsam meu ar do pulmão com tantos pesares,
tornar-se adepto à dor? Até mesmo aqueles que se dizem poetas. Digo que se
denominam assim, feiticeiros de palavras, mas volto atrás concluindo que
ninguém em sã consciência optaria pela batalha eterna entre o querer e o
conseguir, entre o ser e as tentativas de vomitar emoções que correm em minhas
veias, substituindo o sangue desprezível que corre frio em burgueses da
monotonia.
Acendendo um (outro) cigarro, impedida
de continuar a escrever devido à dor na fronte resultante de um desejo tão virulento,
comovo-me pela lua que me visita da sacada do primeiro andar. Seria ela dona
dos mesmos sentimentos de nossa primeira noite de amor? Ou teria sido boazinha,
e arranjado uma substituta para que não ardesse em febre meu corpo cada vez que
me lembrasse de como cada átomo meu transbordou quando seus lábios doces e
experientes encontraram meu peito?
Dizem-me que não preciso de restos
de expectativas para tornar-me completa. Mas meu bem, tudo parecera tão real
naquela nossa única noite. Lembra-se de como nossos esqueletos gritaram por
serem apenas um? Entrega. Poderia jurar de pés juntos que outra alma
sentimental corresponderia a meus âmbitos. Correndo novamente a cena de nossas
competições de conversas desperdiçadas (mal sabia eu que seriam solo para
tantas poesias), minha respiração se altera quando chego à parte em que depois
de tanto nos despirmos de palavras, seu abraço cobriu-me do vento gélido.
Costumávamos ser tão eternos. Só posso dizer, meu bem, que a junção de dois
universos inconstantes dão à luz a estabilidade. E ao meu lado, seus versos não
se tornariam vívidos.
Mas quer saber? Esquece aquela
nudez. Esquece aquelas minhas últimas estrofes. Tudo tem uma resposta mais
simples, um final indolor, ainda que esforçado. Eu não me importo. Seu caos
mortífero já não tenho mais vontade de colher. Suas falsas poesias, quem dirá.
Mas é claro para qualquer um de nós que o destino pode querer. Se quiser,
todavia, peço que me mate ali, para que juntos já não suponhamos mais o céu.
Está certo que as portas estão fechadas e as janelas também. Acontece que
vontade de entrar já não tenho mais. Se quando tudo dá tão certo, o cotidiano
continua tão triste, o que me resta é estar errada, vivendo sob a infelicidade
de quem mergulha em rios de incertezas."
Isadora Egler
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