sábado, 24 de maio de 2014

"Batia nas teclas da máquina com força. Meu coração virara aterro sanitário. Como de praxe, eu diria. Era tão comum receber a dor de portas abertas. Servir, inclusive, um café. Arrumar um quarto, quem sabe. “Logo pras dores, megeras tão acostumadas com o luxo de paixões devastadoras? Tão insistentes e sedentas pelo que há de mais certo e completo em nossas vidas?”, poderia rebater-me qualquer um que um dia vivera a queda livre que é amar. De fato, dores comumente anseiam pelo que há de mais requintado. Mas não a minha dor. Meu sofrimento era boêmio, contentado com o pouco. Acostumava-se com o quarto de hóspedes e o banho gelado na madrugada das duas. Mesmo incontáveis vezes pedindo que pelo menos não cedesse espaço para o vazio, dizia-se de passagem. Dizia-me que a solidão havia de esperá-la em casa quando o dia amanhecesse. E levava, então, meu coração de presente, já tão amargo e inútil.
Como pode alguém, pergunto-me entre devaneios e memórias que expulsam meu ar do pulmão com tantos pesares, tornar-se adepto à dor? Até mesmo aqueles que se dizem poetas. Digo que se denominam assim, feiticeiros de palavras, mas volto atrás concluindo que ninguém em sã consciência optaria pela batalha eterna entre o querer e o conseguir, entre o ser e as tentativas de vomitar emoções que correm em minhas veias, substituindo o sangue desprezível que corre frio em burgueses da monotonia.
Acendendo um (outro) cigarro, impedida de continuar a escrever devido à dor na fronte resultante de um desejo tão virulento, comovo-me pela lua que me visita da sacada do primeiro andar. Seria ela dona dos mesmos sentimentos de nossa primeira noite de amor? Ou teria sido boazinha, e arranjado uma substituta para que não ardesse em febre meu corpo cada vez que me lembrasse de como cada átomo meu transbordou quando seus lábios doces e experientes encontraram meu peito?
Dizem-me que não preciso de restos de expectativas para tornar-me completa. Mas meu bem, tudo parecera tão real naquela nossa única noite. Lembra-se de como nossos esqueletos gritaram por serem apenas um? Entrega. Poderia jurar de pés juntos que outra alma sentimental corresponderia a meus âmbitos. Correndo novamente a cena de nossas competições de conversas desperdiçadas (mal sabia eu que seriam solo para tantas poesias), minha respiração se altera quando chego à parte em que depois de tanto nos despirmos de palavras, seu abraço cobriu-me do vento gélido. Costumávamos ser tão eternos. Só posso dizer, meu bem, que a junção de dois universos inconstantes dão à luz a estabilidade. E ao meu lado, seus versos não se tornariam vívidos.
Mas quer saber? Esquece aquela nudez. Esquece aquelas minhas últimas estrofes. Tudo tem uma resposta mais simples, um final indolor, ainda que esforçado. Eu não me importo. Seu caos mortífero já não tenho mais vontade de colher. Suas falsas poesias, quem dirá. Mas é claro para qualquer um de nós que o destino pode querer. Se quiser, todavia, peço que me mate ali, para que juntos já não suponhamos mais o céu. Está certo que as portas estão fechadas e as janelas também. Acontece que vontade de entrar já não tenho mais. Se quando tudo dá tão certo, o cotidiano continua tão triste, o que me resta é estar errada, vivendo sob a infelicidade de quem mergulha em rios de incertezas."
Isadora Egler

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