terça-feira, 6 de maio de 2014

    "Júlia percebera que não precisava encontrar algo que pudesse mover seu coração. Tudo lhe atingia por inteiro. Seus caminhos só poderiam ser completos por meio de cortes, quedas e abandonos. A realidade era uma maldita.
Não entendia como é que queriam tanto que falasse sobre os caprichos de um mundo jovem, quando impunham limites sobre a capacidade de sentir. "Atente, não se deve entregar totalmente. Prenda-se à malícia, esqueça essa ingenuidade de flor, menina". Continuava sem entender como conciliar um mundo tão desapegado com a cascata de emoções que abrigava seu coração. Deveria Júlia fazer-se imortal?
Guilherme também se fora. Se fora com todas as suas promessas de mudanças. Causou, sim, um rebuliço. Fez bagunça, como quem não quer nada, trocou incertezas de lugar, tomou um café, mexeu com o resto de dignidade que restava. Mas ensinou. Ensinou que não se deve esperar absolutamente nada de ninguém. Que o mundo dos sonhos é sempre, sem exceções, mais maravilhoso que a grotesca realidade, afinal, quem melhor do que nossa própria alma para criar versos capazes de traduzir o coração?
Enxergou que amor nenhum vem de graça. E que amor nenhum, sob hipótese alguma, vem para o bem. Vivia e, dia-a-dia, só desejava que aqueles ao seu redor enxergassem que a desordem é necessária para a arte. O que seria dos grandes poetas sem o gosto do fracasso? Quando se presta atenção exagerada nas coisas, tudo torna-se ensinamento para o âmago. 
Júlia não queria mais fazer parte desse jogo. Não aceitava a falta de alguém que pudesse tocar-lhe o coração. Encontrara, ao longo da estrada inóspita, poetas, mágicos, palhaços, dançarinos e atores com os mais variados jeitos de despertar uma visão diferente desse cotidiano amargurado. Nenhum, entretanto, fizera-se disposto a ficar e seguir viagem... O calor é o combustível das palavras. Não entrava em suas veias o medo da entrega. 
Após longos dias caminhando, tendo como única companhia a lua que, de certa forma, tornava as noites mais geladas, quentes, pelo simples fato de ser a própria transfiguração do passado, percebeu que talvez tivesse, sim, nascido no lugar errado. Era da raça daqueles que tomavam como religião o ato de se jogar de abismos sem medo dos cinco segundos que viriam depois. A liberdade da queda valeria todas horas de dor seguintes. Costumava parar no meio do caminho para escrever cartas àqueles que, apesar de recriminarem e carregarem em si marcas de preconceito por sentimentais, se preocupavam. Tentava deixar claro que a ideia de abandono se fazia existente, pois a cada amanhecer afogava-se mais na pressão de encaixar-se. Cogitava, todos os segundos do dia, dar fim a esse sofrimento. Era claro, mas aqueles que não se deixavam viver a alegria de uma rima, nunca entenderiam. Júlia desejava o fim. Júlia desejava a morte. Júlia pensava, a cada instante, na leveza que só viria por meio de um adeus. Júlia despedia-se a cada dia do mundo, por meio da melancolia de suas poesias."


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