domingo, 8 de junho de 2014

"Júlia
grávida aos dezesseis.
Vadia,
puta.
Sua saudade
tinha um por quem.
Ingênua, se enganou.
Pensou:
“E mesmo quando eu entregar
todas as minhas vontades
debaixo de ti
na sua cama,
nua,
à vontade,
para livrar-nos então
de todo o caos do dia-a-dia,
veja, meu bem:
ainda assim,
serei minha".
Alguma coisa,
naquele mês,
aconteceu.
Abafada pelo desejo malcriado
do homem que jura
um dia
tê-la amado,
Júlia convencia-se:
"Há braços?
 Quero abraços”.
Junho chegou
com dívidas a pagar.
Remetente?
A inconsequência.
"Menina fácil, Indecente!".
A pobrezinha
enegreceu.
Desfez os planos,
aumentou os panos.
Enlouqueceu aos poucos,
acompanhada das lágrimas
nunca choradas,
já secas
pesando os olhos.
"Deixa, deixa eu gritar!".
Mas a comunidade,
educada
por uma cartilha
de bons modos,
erguia as mãos,
calava aos montes
sua imensidão.
"Quero ser poesia,
viver poesia!
Traz um chá de canela,
que amanhã é dia.".
Assim não o fez,
cercada pela sina
da ignorância.
Nunca sentira
o gosto
da liberdade,
da verdadeira
vida.
A barriga cresceu:
se fez bruta,
querendo ser líquida.
Júlia,
querem te ver no chão!
Nesse mundo
onde seu corpo
E sua vontade
não tem
nenhuma relação.
Pois então,
continuou.
Seus sonhos?
Os atrofiou.
Seguiu a vida
carregando o peso
de uma falsa
autoria.
Levando no corpo
marcas
de uma juventude
perdida.
Ah,
que bom seria
se naquela tarde congelante
abandonada,
sozinha
alguma alma piedosa,
no meio da rua,
a abraçasse
e dissesse:
“moça,
a culpa
não é sua.
Escondendo-se atrás
de uma pilha
de louça suja,
cercada
pelos âmbitos
de quem somente
julga,
Júlia
queria
virar história
em forma
de prosa.
A vida,
entretanto,
carregou-se de melancolia.
Tomou o posto
de transfigurar-se
em versos,
poesia.
Da boca
de seu (ex)  amado,
a mulata
não quer
nem os cigarros.
Mas Júlia
não tem que querer!
Tem
que obedecer.
Júlia
é só menina.
Em um mundo que oprime,
arranca,
condena,
 e passa por cima
da flor
que dá
a vida."
Isadora Egler

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