domingo, 1 de junho de 2014

"Como se nenhum lugar do mundo me pertencesse. Naquele ensaio de ser alegre, observava o céu, lembrando tantas vezes das notas melodiosas daquela velha canção que tocava em nossos corações, quando o tempo era apenas o presente, e não cordas trançadas com velhas lembranças que insistem em nos atormentar.
"Quantas você já contou?", ele me perguntou, sem checar antes se eu queria companhia naquela noite tão fria quanto a alma de um poeta abandonado. Eu não as contava, tive vontade de dizer-lhe. O céu negro era apenas reflexo dessa realidade que nos prende e estapeia rostos inocentes em busca da realização de sonhos tão pequenos. Ou seria o contrário? 
Penso que muitas vezes nos fazemos crianças, em busca do gostinho da infância já tão esquecida que, entretanto, manda notícias vez ou outra. E quando caímos na armadilha insana de viajar por tempos que não nos cabem mais, somos obrigados a olhar para o céu que nos retoma um passado tão distante. Afinal, não é disso que se tratam todas essas galáxias, nebulosas e cadentes?
Apaguei a nota mental que me dizia para manter distância de possíveis paixões forasteiras no momento em que me perguntou o que fazia para livrar-me da rotina. Livrar-me da rotina? Ah... Ora, sou poeta. Engraçado perceber o seu riso no canto esquerdo da boca, pois estava claro que sabia da eterna condição do escritor de escorrer suas tristezas e amores sobre pedaços de papel que se perderiam entre tantos. A forma mais bonita, porém, de se manter preso a uma rotina repetitiva.
Já se passara meia-noite. O frio de julho trazia, então, a possibilidade do calor entre tanto tempo de nevascas em nossos corações. Seus lábios tinham gosto de uísque. Como poderia não viciar? O observava falar, como se as palavras que escorregavam de sua boca fossem confortáveis e tivessem, até mesmo, um gosto doce. Enquanto falávamos sobre viagens, percebi que em tanto tempo sentindo como se tudo estivesse de cabeça para baixo, ali pareceu o lugar certo. O amor parecia uma doença. Poderíamos ser doentes juntos?
Estávamos em meio a competições tão vazias e superficiais, em busca de gente que não conseguia ser nada mais além de batalhas pelo inatingível. Naquela noite, querido, fomos eternos. Como dois rios que desaguam juntos e misturam suas águas banhadas de dores. A felicidade era destruída pela melancolia que traziam os versos do antigo poeta que habitava meu coração. Você, todavia, lembrava-me do quanto eram valiosos momentos de criatividade que o sofrimento carregava consigo.
"Não é necessário escrever para ser poeta". Me lembro do quanto pareceram cômicas essas palavras no dado momento. Martelando-as na minha cabeçam, horas depois, no entanto, percebi o quão eram verdadeiras. Mas é claro. Não é indispensável, em instante algum, colocar em versos a dor. Apenas permitir-se sentir era o bastante. Não como o velho poeta. Mas como você fazia. Fomos embora e ficamos apenas com a velha promessa do que poderia ter sido tão bom. O medo de que a vida brinque novamente conosco, colocando minuciosamente pessoas incríveis em nossa estrada e impondo-nos a sina de que tudo dure um intervalo de horas. Sua poesia, querido, tornou-se meu mais novo bordão."
Isadora Egler

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