domingo, 22 de junho de 2014

"O amor não existe." O silêncio de meu quarto e o pensamento na estrela de Antares que em algum lugar do espaço sideral, também é passado, criam a condição perfeita para chegar finalmente ao resultado tão desejado, em anos de desilusão.
As pedras na mão, guardem-nas. Dispenso julgamentos. O casal de jovens há um ano juntos, simbolizando a ideia vendida desse sentimento conhecido ora por seus mágicos feitios na vida daqueles enfeitiçados, ora por maldição tremenda que os transforma em bombas imediatamente prontas para explodir, os observo. "Não se amam". A frase sai, pela primeira vez em um espaço de tempo inimaginável (e eu diria, até mesmo, não terrestre), do modo que esperava há tanto: não arde, não queima. Não arrepende. Como chuva de meteoros mandada por deuses raivosos, sou atingida por um batalhão de questionamentos dizendo-me que jamais poderia depor no lugar das duas crianças sedentas pela ideia de amar. Ora, de fato, precisaria mesmo de uma experiência de quarto grau para que pudesse, à flor da pele, experimentar os milagres dessa sensação. Que não conheço o que sentem, é o meu ponto fraco. Repito, entretanto: "não se amam". Como sei disso? Não há resposta. Mas espere, há resposta para esse tal de amor que tanto convencem? Conseguem, em algum segundo, explicar esse sentimento visto como tão inexplicável?
Aquilo posto em um altar de mais de mil metros, que necessita ser escalado e conquistado, merecido e disputado, não pode nem mesmo ser explicado por vocês. Bobos e ingênuos. Seguem uma seita cegamente, sem mesmo conhecerem ao próprio líder. Vivem em uma distopia e têm os olhos fechados: mesmo assim, continuam com ideais ortodoxos e petrificados a respeito da emoção tão linda cuja vida não pode ser vivida em sua ausência.
É desumano, abusivo, fora dos limites de todos os seres de carbono, fiar-se na ficção de que um verdadeiro humano, que sinta e reaja àquilo que lhe cerca, possa completar a outro, mesmo por cima da quantidade imensurável de defeitos que existem, mas que podem ser olvidados quando atinge-se a cegueira de sentir. Chega de mentiras, contentem-se com os melôs e romances que preenchem o universo inabitável. Ninguém está pronto para ser a felicidade de ninguém. O falso amor tão divulgado, é o resumo piedoso do puro egoísmo.
Não havendo amor, o que há, então? Há a troca. Há o benefício. Há o apego e o costume. Não passa da marca que indica que os envolvidos acostumaram suas próprias almas a jamais imaginarem-se sós. 
"E como pode o poeta, carregador alegre de sentimentos nos ombros, durante longas horas de jornada sob o sol, desacreditar no sentimento mais lindo da história desse mundo que gira sem parar?". Vejam, é simples. Enxerga quem quer e aceita a quem couber. Nos primórdios desse chão que batemos os pés, inflamos o peito e chamamos de "nosso", nada era civilização. A caça violenta pela busca da procriação, a opressão e falta de interesse um com o outro, a não-carinho, o não-cuidado, a incerteza do amanhã e as descobertas assustadoras de um mundo seminovo, eram a normal e aceitável realidade do pretérito. Ao passo que desenvolveu-se o poder, surgiu cada vez mais a fome por algo que tornaria os seres facilmente domináveis, tolos, em um vívido estado vegetativo. Os escritores, conhecidos pela sua tão hábil manipulação das palavras que, tantas vezes vazias, tornar-se-iam copos cheios, foram escolhidos a dedo para a nobre missão. O que melhor do que um sentimento que acalenta a alma, arrepia a espinha e acessa a todos? Um sentimento sem olhos e precipitações sobre nada ou ninguém, capaz de atingir onde bate ou não um coração? Sob ao paladar embriagado, os criadores de versos, inventaram, então, o tão famoso e aperfeiçoado por promessas e superstições, amor.
Uma farsa com o intuito de dominar e tornar frágeis os homens. Uma necessidade minuciosamente desenvolvida. Não passa disso. Quem melhor para conhecer em mínimos detalhes a criatura, senão seu criador? Falo dele, pois é minha missão. Encarno personagens e situações para que nasçam as poesias apaixonadas. Posso, ainda, não ter me conformado que me conformei com essa ideia desesperançosa, mas repito: o amor não existe.
Isadora Egler

segunda-feira, 16 de junho de 2014


"Não sei o que houve. Estações passam, a primavera traz consigo a melodia de pássaros que gorjeiam ao terem a face beijada pelo sol, mas algo parece errado. Há um pulo e logo nos encontramos presos no frio do inverno, capaz de congelar até mesmo a alma de um boêmio. O que houve, poeta? Sabe me dizer o que exatamente se passou no instante em que fechamos os olhos?
A utilidade que há em toda essa melação sobre seu versos tão incorretos, ainda não a encontrei. Talvez sirva para aquecer o vazio onde deveria haver um coração, em seu peito. Ambos sabemos que sua alma é como um buraco negro cujo interior nunca enxergaremos a aparência ao certo. Acerto o pulo quando digo que fechamos os olhos. Jamais saberemos como se perderam, entre o oceano infinito, nossas rimas engarrafadas de amor.
Lembra-se, poeta, de como passamos aquela noite? Relato que tudo começou na época ensolarada em que floreiam os campos, mas o céu negro que bordava as horas recém-nascidas da manhã eram gélidas. Haveria explicação para tal fenômeno? Ora, poderia sim dizer que fizemos nossa própria primavera. Sabe por que, ex-amado? Não tínhamos medo e nem carregávamos, nessa viagem, uma bagagem de expectativas. À priori, talvez, mas as abandonamos no momento em que cruzamos olhares. O medo se fora. Já não importava mais se o tempo lá fora era outono, primavera, verão... A mudança era dentro de nossos corações.
Assumindo, então, que a fase era a do bater mais leve de asas das borboletas, época do desabrochamento de flores, que etapa melhor para o renascer de corações? Para, finalmente, como pássaros nascidos, arriscarmos o primeiro voo? Sabia que me daria base e confiança. Mas oh, querido... A queda fora tão bruta.
Durante os segundos torturantes que seguia o meu baque, por própria defesa, endureci meu coração. Contraí firmemente os músculos que controlariam a vontade de, novamente, amar. Como proteção. Obviamente, como boa curiosa, não fui ainda capaz de abandonar meus anseios em descobrir por que raios doeu tanto. Aprendi, ao menos, que o inverno chega para todos.
Em meio a tanto frio e tremedeiras, tem coragem de colocar para fora suas garras e transpor em palavras que criei meu próprio silêncio, quando tudo o que sempre me fez foi calar-me a boca com suas mordaças de orgulho? A pergunta é retórica. Os fatos não mentem. Ou melhor, a poesia que eterniza. O poeta de um só coração se basta. Não seria capaz de escrever mais nada que não dissesse respeito ao seu viver.
O pior de tudo, talvez, seja ver suas mentiras suportadas por atores em um show de horrores. Há quem sustente a estrutura de seu espetáculo de autopromoção. Pergunto-me o porquê. Porquê esse, já tão acostumado a ser maltratado e jogado a uma pilha de outros questionamentos que nunca conhecerão respostas. O que mais me dói é saber por qual motivo escolhemos a primavera, poeta. O verão teria lhe levado embora como tantos outros amores repentinos. O outono teria se dado o trabalho de substituir tudo aquilo que já foi calor, cobrir seu lugar folhas, tão aconchegantes quanto e talvez até mais melancólicas que a de seus escritos. O inverno, vindo previamente, teria dado a mim tempo o suficiente para tecer mantos que cobrissem sua falta. Entretanto, 'nem sabia o nome das flores, e agora meu jardim já era". Espero que tenha deixado claro que até mesmo a mais delicada rosa coleciona gotas de sangue.
Isadora Egler

quarta-feira, 11 de junho de 2014



“Seus olhos cor daquilo que chamaria de poesia, sua boca entreaberta que denota uma falta de atenção que deveria ser tão minha, aquele charme imbatível guardado apenas para instantes que ameaçam dor, a vontade egoísta de fazer com que o mundo vire um lar para todos ao redor lembram-me o protagonista. A diferença, meu bem, é que isso aqui não é uma história de amor.
Bem, pelo menos nunca ouvi, até o dado instante, falar de nenhuma história de amor de um lado só. Digo isso baseada no meu vasto conhecimento adquirido após horas em busca do verso perfeito que nos traduzisse. Peraí. Nós?
Passei muito tempo pensando que poderia ser a primeira, então, a colocar em palavras aquilo que somos, já que com muita luta decidi que seríamos plural. Tempo esse, desperdiçado, talvez. Tantos textos com a mesma frase velha e decorada na cabeça de admiradores que diz que “não fomos, são somos e não seremos”, e caio no mesmíssima armadilha de tentar dar uma faxina em meu cérebro tão desorganizado e cheio de você. Armadilha de buscar uma nova rima. Ideal, concisa e absoluta. Que seja anunciação e apresentação a todos da estrela mais brilhante no céu que somos eu e você. Do nosso infinito. Negativo, entre números grotescos e amaldiçoados. Mas, no mínimo, nosso.
A fraqueza às vezes se esconde em um gesto forte que somente o soldado pode ver. A falta tão sentida de choro em meio à comoção é somente aceitável. Simplesmente porque ninguém no mundo sabe a causa das cicatrizes que ensinam tanto sobre a dor. Ninguém no mundo calcula o peso que se carrega na alma de tantos quilômetros percorridos de tanta provação. As vezes que desamei, conto nos dedos. Mas as vezes que amei, não conto a ninguém.
Não seria justo, de forma alguma, comparar a dor física de quem sofre dias e noites nesse abismo entre a vida e a morte com o martírio que é sentir. Mesmo assim, dentre o caos que me sobrecarrega, proveniente das alterações “um dia lua, outro dia sol” daquele que me gerou, a falta de vista e reconforto daqueles com quem (sobre)vivo todos os dias, o drama já tão incluso na alma de poetisa e o ensinamentos medievais de que amar exacerbadamente é errado, estabeleço essa relação. Porque, talvez, a única forma física e emocional de sentimento seja a dor.
Sei que é preciso paciência para me ler. Aprendi a guardar as coisas no coração, pois a inveja diluída nos poços de amor espalhados pelo mundo inteiro, faria com que passarinhos sussurrassem no ouvido do destino, tão sacana, que meu amor é inteiramente seu. É por isso, caro você que perde seu tempo com essa prosa banal que roda em torno do mesmo ponto, que seguirei a partir daqui, com as mais lindas neologias e subjetividade que o nome de meu querido traz, sem remorso algum.
Bastou viver uma noite suportando seu amor, que meu coração nunca mais amanheceu. Consta por aí que “o amor é apenas um grito no vácuo, e que o esquecimento é inevitável, e que estamos todos condenados ao fim”. E é por isso que procuro ao máximo eternizar o que sinto em forma de poesias, textos, artes, danças, rituais, cantos e expressões. Porque o amor verdadeiro priva de palavras sonoras e reais, certo? Porque o esquecimento, na verdade, é apenas uma ilusão. Não existe pelo simples fato de que sua alma nunca saberá o altar que carreguei comigo por ti. Não há imagem para ser apagada. Porque o fim é a condenação de quem, na verdade, nunca teve coragem de dar em sua direção o primeiro passo e começar algo.
Permaneço nesse estado quieto, choroso, sem muitas palavras ou cortejos devido ao fato de que meu espirito reconhece que enquanto se acaba de rir, gratuitamente, bebo para não chorar e pago caro. Queima meu ser, como um demônio ao pôr os pés em altar sacro, saber que se por acaso passar por alguma doença (de espírito ou carne), não terá ninguém para segurar-lhe as mãos como eu o faria. Ter noção de que amanhã pode não haver de ser outro dia para ti, sem saber dos enormes sacrifícios que eu seria conscientemente capaz de fazer, é assassino. “Por favor” não sai de minha mente. A promessa de que tudo vai dar pé existe, não?  A amargura aparente é apenas excesso de arte (seu sorriso é matéria de poesia) que, apesar de nunca ter me levado aonde queria, tornou meu coração silencioso. Um lugar no mínimo habitável. Afinal de contas, ainda tenho no fundo do poço, como colherada de esperança, o reconfortante fato de que “Não dá para escolher se você vai ou não vai se ferir neste mundo, mas é possível escolher quem vai feri-lo”. E nesse caso, meu bem, repetiria livremente, quantas vezes fossem necessárias, a minha mais linda escolha que se chama seu nome.”
Isadora Egler

domingo, 8 de junho de 2014

"Júlia
grávida aos dezesseis.
Vadia,
puta.
Sua saudade
tinha um por quem.
Ingênua, se enganou.
Pensou:
“E mesmo quando eu entregar
todas as minhas vontades
debaixo de ti
na sua cama,
nua,
à vontade,
para livrar-nos então
de todo o caos do dia-a-dia,
veja, meu bem:
ainda assim,
serei minha".
Alguma coisa,
naquele mês,
aconteceu.
Abafada pelo desejo malcriado
do homem que jura
um dia
tê-la amado,
Júlia convencia-se:
"Há braços?
 Quero abraços”.
Junho chegou
com dívidas a pagar.
Remetente?
A inconsequência.
"Menina fácil, Indecente!".
A pobrezinha
enegreceu.
Desfez os planos,
aumentou os panos.
Enlouqueceu aos poucos,
acompanhada das lágrimas
nunca choradas,
já secas
pesando os olhos.
"Deixa, deixa eu gritar!".
Mas a comunidade,
educada
por uma cartilha
de bons modos,
erguia as mãos,
calava aos montes
sua imensidão.
"Quero ser poesia,
viver poesia!
Traz um chá de canela,
que amanhã é dia.".
Assim não o fez,
cercada pela sina
da ignorância.
Nunca sentira
o gosto
da liberdade,
da verdadeira
vida.
A barriga cresceu:
se fez bruta,
querendo ser líquida.
Júlia,
querem te ver no chão!
Nesse mundo
onde seu corpo
E sua vontade
não tem
nenhuma relação.
Pois então,
continuou.
Seus sonhos?
Os atrofiou.
Seguiu a vida
carregando o peso
de uma falsa
autoria.
Levando no corpo
marcas
de uma juventude
perdida.
Ah,
que bom seria
se naquela tarde congelante
abandonada,
sozinha
alguma alma piedosa,
no meio da rua,
a abraçasse
e dissesse:
“moça,
a culpa
não é sua.
Escondendo-se atrás
de uma pilha
de louça suja,
cercada
pelos âmbitos
de quem somente
julga,
Júlia
queria
virar história
em forma
de prosa.
A vida,
entretanto,
carregou-se de melancolia.
Tomou o posto
de transfigurar-se
em versos,
poesia.
Da boca
de seu (ex)  amado,
a mulata
não quer
nem os cigarros.
Mas Júlia
não tem que querer!
Tem
que obedecer.
Júlia
é só menina.
Em um mundo que oprime,
arranca,
condena,
 e passa por cima
da flor
que dá
a vida."
Isadora Egler

quinta-feira, 5 de junho de 2014

         "Todas as fórmulas desenhadas no quadro minuciosamente pelas mãos velhas e encardidas que tremiam o giz arrastado e gasto causavam-me nojo. Os números, a lógica, a organização doentia destruíam-me talvez por trazer à luz uma ideia de que tudo haveria de ter uma solução. Contorcia cada músculo de meu corpo como forma de fuga, tentativa de fazer com que minha alma que tratava há muito a dor como algo corriqueiro, não se banhasse em perfeição. Porque sempre gostei dos numerais quebrados, das raízes negativas e de todo o resto que insiste em não querer existir.
Olhava para meus dedos com as unhas descascadas de um antigo esmalte cor de vinho barato. As mãos não ficavam quietas um instante sequer. Os tendões das costas enrijeciam-se pois a cadeira era demasiadamente desconfortável. Meu olhar encontrava seus lábios latejantes esboçando um sorriso esquerdo.
Sentia tanto, que parecia que o oxigênio que entrava em meus alvéolos era devolvido em forma do suspiro mais carregado. Sua boca abria-se em sintonia com meus olhos e jogava a cabeça para trás como se fosse um bloco de concreto que, quando carregado por seus braços, mais parecia uma cesta trançada que abriga as mais lindas petúnias em tempo de início da primavera.
O alarmar do sino agredia meus ouvidos com delicadeza (e ora, como se agride com delicadeza? Ah, tenho certeza que já sabe a resposta...). Havia certo burburo e movimentação preguiçosa dentre as pessoas, mas dentro de mim tudo permanecia em inércia. Com a mente vazia (oficina do diabo, diriam as mães), veio à minha mente o cheiro amargo e impregnante de uísque. A adrenalina foi depositada em uma dose feroz em minhas veias e lembrei-me de meu pai. E da noite anterior. E de tudo. O caos veio à tona. O show de aberrações que vinha sendo minha vida nos últimos dois meses.
Tentava convencer-me de que era um vagabundo. Não. Seria certo regar tal menosprezo pelo homem que me carregara nos braços desde o momento em que abri meus olhos para esse inferno sem voltas? Mas o que fizera com a mulher de sua vida... Ora. Raramente o destino acorda de bom humor e cruza caminhos de maneira tão devota. Tirar-lhe o direito de ter voz em meio à revolução, à guerra que acontecia em seu coração, seria o pior. Ainda assim, o fez.
Os observava falarem. Tudo o que entrava em meus ouvidos, entretanto, era a superficialidade. Incomodava-me tanto. Estaria eu tentando ser como eles, atribuindo tanto valor a tudo aquilo que fosse falta de sentimentos? Sentia-me prostituída por futilidade e essa sensação constante de não-salvação.
Já sozinha, em um estalar de minhas memórias, recordei-me do sonho daquela noite. Suava frio como se tentasse arrancá-lo de mim. O funeral de um índio, assistido de perto. Um pobre selvagem que causara a própria morte por rasgar a carne, arrancar o esterno e colocar no lugar do coração o de um pássaro. Falecer, ainda assim, com a expressão de quem dorme ninado pelas rimas de um anjo. Sem preocupações. Sem sofrimento. Apenas poetizando a dor da partida eterna.
É evidente que haveria de ter uma explicação esse sonho tão desconexo de tudo o que vinha se passando. A metáfora esdrúxula de surgira, entre devaneios e forças que me puxavam para algo no mínimo lógico foi de que o belo índio se apaixonara pela ave. Encantadora, exibindo seu direito de voar por onde quisesse e pintar o céu com suas penas acobreadas, fez com que o pobre homem se perdesse em paixão. O desejo de ter tornou seu próprio coração inválido. Nada mais justo do que a ave pagar a dívida. 

Tantas vezes fazemos isso. Sim, amor. Contigo o fiz também. Essa raiva toda é só rastro de um antigo âmbito forte de ter que queimou meu coração. Preciso, agora, do teu para compensar meus excessos... Tomei-o de seu peito forte que poderia ser abrigo para tantas noites ardendo em calor. Teríamos um ao outro e, assim, aquilo que bate mais forte seria imortal. Escolheu, porém, pela solidão das moças. Optou por beijar-lhes as clavículas e partir com o gosto do momentâneo logo pela manhã. Tive de tomar seu coração. Tivemos de dar certo, da maneira errada.”
Isadora Egler

domingo, 1 de junho de 2014

"Como se nenhum lugar do mundo me pertencesse. Naquele ensaio de ser alegre, observava o céu, lembrando tantas vezes das notas melodiosas daquela velha canção que tocava em nossos corações, quando o tempo era apenas o presente, e não cordas trançadas com velhas lembranças que insistem em nos atormentar.
"Quantas você já contou?", ele me perguntou, sem checar antes se eu queria companhia naquela noite tão fria quanto a alma de um poeta abandonado. Eu não as contava, tive vontade de dizer-lhe. O céu negro era apenas reflexo dessa realidade que nos prende e estapeia rostos inocentes em busca da realização de sonhos tão pequenos. Ou seria o contrário? 
Penso que muitas vezes nos fazemos crianças, em busca do gostinho da infância já tão esquecida que, entretanto, manda notícias vez ou outra. E quando caímos na armadilha insana de viajar por tempos que não nos cabem mais, somos obrigados a olhar para o céu que nos retoma um passado tão distante. Afinal, não é disso que se tratam todas essas galáxias, nebulosas e cadentes?
Apaguei a nota mental que me dizia para manter distância de possíveis paixões forasteiras no momento em que me perguntou o que fazia para livrar-me da rotina. Livrar-me da rotina? Ah... Ora, sou poeta. Engraçado perceber o seu riso no canto esquerdo da boca, pois estava claro que sabia da eterna condição do escritor de escorrer suas tristezas e amores sobre pedaços de papel que se perderiam entre tantos. A forma mais bonita, porém, de se manter preso a uma rotina repetitiva.
Já se passara meia-noite. O frio de julho trazia, então, a possibilidade do calor entre tanto tempo de nevascas em nossos corações. Seus lábios tinham gosto de uísque. Como poderia não viciar? O observava falar, como se as palavras que escorregavam de sua boca fossem confortáveis e tivessem, até mesmo, um gosto doce. Enquanto falávamos sobre viagens, percebi que em tanto tempo sentindo como se tudo estivesse de cabeça para baixo, ali pareceu o lugar certo. O amor parecia uma doença. Poderíamos ser doentes juntos?
Estávamos em meio a competições tão vazias e superficiais, em busca de gente que não conseguia ser nada mais além de batalhas pelo inatingível. Naquela noite, querido, fomos eternos. Como dois rios que desaguam juntos e misturam suas águas banhadas de dores. A felicidade era destruída pela melancolia que traziam os versos do antigo poeta que habitava meu coração. Você, todavia, lembrava-me do quanto eram valiosos momentos de criatividade que o sofrimento carregava consigo.
"Não é necessário escrever para ser poeta". Me lembro do quanto pareceram cômicas essas palavras no dado momento. Martelando-as na minha cabeçam, horas depois, no entanto, percebi o quão eram verdadeiras. Mas é claro. Não é indispensável, em instante algum, colocar em versos a dor. Apenas permitir-se sentir era o bastante. Não como o velho poeta. Mas como você fazia. Fomos embora e ficamos apenas com a velha promessa do que poderia ter sido tão bom. O medo de que a vida brinque novamente conosco, colocando minuciosamente pessoas incríveis em nossa estrada e impondo-nos a sina de que tudo dure um intervalo de horas. Sua poesia, querido, tornou-se meu mais novo bordão."
Isadora Egler