quinta-feira, 15 de maio de 2014


"Entre tantos devaneios, a cabeça rodando após um ou dois copos de uísque, volto para casa cambaleando e me apoiando apenas na promessa de que o passar da noite levaria embora toda essa inércia impregnada em meu corpo.
Descendo a rua vazia e silenciosa, com a companhia apenas de becos abandonados e gritos abafados, me deparo com a imagem da lua branca e petrificada logo no fim da estrada. Chamava-me. Passados alguns instantes perdurando pensamentos insanos sobre essa malandra, pus-me a pensar: o desejo pela lua, que surge sem motivo no caminho abandonado que a torna tão próxima, é fruto de amores inalcançáveis. A lua seduz como se pudesse nos abraçar com seu brilho, como se nos esperasse de braços abertos, acompanhada de buracos negros que esconderiam os pesares da vida, no fim dessa viagem que chamamos de dor. Como o seu sorriso que prevê juras de paixões que poderiam ser tanto, mas insistem em ser nada.
Corre em minha mente, me congelando mais uma vez em frente a esse cobertor de estrelas, uma cena tão corriqueira de minha infância, já deixada para trás perante as obrigações que trazem o passar dos anos. Minha mãe gritando em noites que a felicidade parecia duradoura... “Menino, volte já! Pensa que é dono de si mesmo?”. Nunca fui. Costumava ser o menino dela. Agora, sou o seu.
Chegando em casa, me arrastando para finalmente encontrar o conforto de um lar após uma noite tão pagã, me joguei sobre o sofá sujo com a espuma já quase desfeita. Levantei-me. A enxaqueca me consumia, mas a ressaca era moral. Não conseguia pegar no sono de maneira alguma. Alcancei na mesa de cabeceira algumas fotografias suas e conclui que, sem dúvida, me tornaria seu anfitrião a qualquer hora da madrugada em que você precisasse chorar em meus braços por ele. Por você.
Dirigi-me até o escritório a fim de pegar algumas folhas de caderno rascunhadas com seu nome. Não diria que a insônia e a poesia são boas amigas, mas convivem juntas por necessidade. Aturam-se, afinal, é no calar da noite que surgem os versos mais lindos, quando seu nome mora em minha mente e insiste em fazer acampamento.
Sinto-me nostálgico. Se eu soubesse a importância que teria aquela velha máquina de escrever herdada de meu avô, jamais teria a chamado de bugiganga e a jogado no lixo. Pensando bem, essa melancolia toda deve ser apenas a preguiça causada pelo efeito do álcool. Minha musa inspiradora, sua saudade me corrói. Sinto-me pesado, mas vazio sem seu carinho. Gostaria da cor de suas bochechas rosadas que silenciariam todos os demônios que abrigo dentro de mim. Gostaria de transformar-te em poesia. Entretanto, querida, há realidades tão tóxicas que só poderiam ser transcritas em forma de prosas malditas..."
Isadora Egler

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