quinta-feira, 21 de agosto de 2014

o som do pneu desgastando o asfalto ecoava como um grito. o sim do pneu. grito contido. grito quase familiar. por pouco poderia ter saído da boca ao ter visto as duas crianças se pertencendo. crianças éramos nós. há quanto tempo? dois ou três meses? a maturidade precoce era culpa da falta de primavera na cidade seca e amarga. aceitamos a proposta doentia de desabrochar a flor que guardei com tanto zelo. motivo de chacota e amedrontamento nas vielas do bairro. à medida que o corpo florescia, o horror da solidão em meio ao entardecer. a natureza, sinto dizer, longe de ser perfeita. se fosse, ah se fosse. não teríamos nunca nos encontrado. nesses dias cotidianos, te avistei sorrindo com olhos indiferentes. indiferentes como um buraco negro que opta, por puro deleite, não devorar o planeta à sua frente. cheio de si e vazio de nós. foi amor exatamente como havia imaginado: seu um metro e setenta angustiado dentro da camiseta de botões e a bolsa transversal. foi amor porque doeu como um tiro no escuro. mal percebemos a sombra estampada na parede. havia luz: havia a consciência do erro e tapamos os olhos. um ao outro. amor porque, hoje, pode ser dito sozinho. te amei com todos os erros gramaticais e dissensos verbais imagináveis. como uma esteira que cobre todos os caminhos, corro tentando alcançar sua autonomia. estupidamente continuo no exato mesmo lugar que me deixou com seu toque métrico e eletrizante. posso dizer que te amo? permissão? te amo como entonaria um poema dadaísta cara a cara em Zurique. 1916. só sei amor. só sei, amor. sei que roubei teu nome com a cara delinquente. apenas pela poesia. o efêmero sentimento e os eternos rascunhos emaranhados. não te gosto, meu vazio nem mesmo arde. compro imaginações a preço do crack na zona norte carioca. rimo tão facilmente como o ecstasy que desperta quando tudo deseja adormecer. se nosso amor teve frutos, foram esses maçãs de Éris: pomos da discórdia. te amo pela arte. pelo som que o nome faz quando aperto os lábios, estalando e tocando o céu da língua pela sua primeira letra. nas esquinas em que te cruzo, o que refresca é a promessa de canonizar nosso desvio. “quem planta vento, colhe tempestade”.

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